Quando Trump esgotou a tinta da caneta no primeiro dia de governo, assinando 220 ordens executivas para agir sem depender do Congresso, deixou claro que cumpriria suas promessas com mão de ferro. Muitos analistas chegaram a dizer que era só pressão inicial, uma estratégia para ganhar vantagem. Logo perceberam que não era blefe. O presidente americano estava mesmo disposto a levar seus ousados planos adiante. Sem temor de retaliações.
Agora, repete o padrão: mira os países do Brics, bloco que tenta reduzir a dependência do dólar e reunir nações emergentes. Nos últimos meses, o grupo foi ampliado com a entrada de Argentina, Irã, Etiópia, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Mas na reunião do Rio, os principais líderes: Xi Jinping, Vladimir Putin e o recém-eleito presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, não compareceram. O vazio político e simbólico não poderia ser mais evidente. As teses, entretanto, não se resumem ao comparecimento deste ou daquele líder, houve discussões importantes sobre saúde global, mudança climática e inteligência artificial. Mas não dá para disfarçar, as ausências dos líderes mais relevantes esvaziaram o evento.
Ameaça de Trump
Para piorar, Trump subiu o tom. Pelas redes sociais, afirmou: “Qualquer país que se aliar às políticas antiamericanas do Brics será cobrado com uma tarifa adicional de 10%. Não haverá exceções a essa política.” Não é bravata. Ele já fez isso antes. Impôs tarifas à China, ameaçou o México, pressionou a União Europeia. Um aumento de 10% pode inviabilizar acordos com a maior economia do planeta. Talvez alguns façam discursos inflamados para agradar seus seguidores, mas, no fim das contas, tudo pode ficar só no campo da retórica.
A defesa de Trump a Bolsonaro
E, aproveitando o restinho de tinta da sua velha Bic, Trump fez uma defesa ferrenha de Jair Bolsonaro. Até pouco tempo, opositores ironizavam os laços do ex-presidente brasileiro com os republicanos. Chamavam seu filho zero três de “bananinha”, “fritador de hambúrgueres” e outras alcunhas depreciativas. Agora, constatam que os laços podem produzir efeitos reais.
Disse Trump: “Tenho assistido, como todo mundo, à perseguição contra ele: dia após dia, noite após noite! Ele não é culpado de nada, exceto de ter lutado pelo povo. Conheci Jair Bolsonaro. Ele era um líder forte, que amava seu país, e um negociador duríssimo. Agora lidera as pesquisas. Isso é só um ataque a um oponente político.”
A própria história
E comparou com a sua própria história: “Sei bem o que é isso! Aconteceu comigo dez vezes. E agora nosso país é o ‘mais quente’ do mundo! O povo do Brasil não vai tolerar o que estão fazendo com seu ex-presidente. Estarei acompanhando de perto a caça às bruxas contra Bolsonaro, sua família e seus apoiadores. O único julgamento legítimo se chama eleição.” Uau. Nem os advogados de Bolsonaro falariam com tanto entusiasmo.
Lula tentou refutar, usando a preterição, aquela figura de linguagem em que o orador diz que não vai dizer, mas diz. Afirmou o presidente brasileiro: “Sinceramente, nem acho que deveria comentar. Não considero muito responsável o presidente dos EUA ficar ameaçando o mundo pela internet. Somos países soberanos. Se ele acha que pode taxar, os países também têm esse direito. Existe a lei da reciprocidade.” Pois é… imagina se ele quisesse comentar. E sobre a defesa de Bolsonaro, Lula foi direto: “Este país tem leis. Tem regras. E tem um dono chamado povo brasileiro. Portanto, deem palpite na sua vida — e não na nossa.”
Tempestade perfeita
Com a ausência das lideranças centrais e as bordoadas de Trump, o encontro no Rio ficou muito aquém do esperado. Claro, decisões geopolíticas nem sempre aparecem nas manchetes. Negociações discretas, feitas nos bastidores, podem render frutos futuros. Mas, salvo milagre, o amanhã do BRICS parece tão vazio quanto seu presente.
Fica a dúvida: os países do grupo terão coragem de enfrentar os Estados Unidos? Se algum tentar bancar o herói e for penalizado com tarifas, terá mesmo condições de reagir com reciprocidade? E se reagir, os EUA cruzarão os braços, ou virão com ainda mais sanções?
Não há resposta definitiva. Mas certos eventos internacionais, com seu aparato de segurança, discursos protocolados e custos astronômicos, poderiam render mais se não acontecessem. Talvez esse tenha sido o caso deste Brics no Rio: muito palco, pouco espetáculo. Siga pelo Instagram: @polito