Muitas das nações que nasceram a partir de finados impérios, buscaram desde sua gênese, construir pontes em diferentes cantos do globo. A necessidade de reconhecimento da soberania, o estabelecimento de relações comerciais em diversos mercados e a manutenção da integridade territorial, levaram muitas dos países latino-americanos a uma postura de não alinhamento automático às potências de seus tempos. O Brasil, além de todas as características já citadas, também é filho da competente escola diplomática portuguesa, que em sua fragilidade populacional, dependeu de seus habilidosos negociadores e diplomatas para se manter relevante e se desenvolvendo.
O século XX com suas guerras mundiais e a Guerra Fria desafiou a postura de neutralidade do Brasil em muitas ocasiões, mas as políticas de não alinhamento automático e de diálogo com ambos os lados do muro, garantiram portas abertas aos produtos brasileiros de Nova Iorque à Moscou. Enquanto os conflitos regionais tinham pouco impacto na economia global e a globalização era um jogo, do qual todos tiravam proveito, esse posicionamento muito auxiliou o nosso país a crescer e a construir amizades sólidas por todas as partes.
As guerras regionais de nosso tempo e a ascensão e consolidação de movimentos nacionalistas ao poder em todo o mundo, alterou drasticamente o cenário em apenas 3 anos. Desde a invasão da Rússia na Ucrânia em fevereiro de 2022, a antiga dicotomia ideológica e hemisférica recuperou sua importância. Os Estados Unidos, a Europa Ocidental e as demais potências ocidentais de um lado, enquanto Rússia, China, Coreia do Norte e outras autocracias se colocavam no outro. As sanções econômicas aplicadas, o fechamento do espaço aéreo e a deterioração diplomática de relações entre os países, apenas confirmou a tendência. Após o início da guerra no Oriente Médio em 2023, o cenário já crítico, apenas se agravou.
Enquanto o governo brasileiro atual optou por se colocar claramente de um dos lados na guerra em curso no Oriente Médio, no caso do Leste Europeu, ainda procura dialogar com ambos os beligerantes, todavia sem sucesso. Apesar de sinais ambíguos enviados aos dois maiores impérios vigentes em nosso planeta, a neutralidade brasileira não foi totalmente comprometida e no nível cotidiano das relações diplomáticas ainda se baseia fortemente no princípio do diálogo universal.
A chegada de Donald Trump ao poder em 2025, alterou mais uma vez um tabuleiro já bastante reposicionado em suas peças. A maneira como o mandatário norte-americano busca reconstruir a economia dos Estados Unidos através da recuperação da hegemonia político e industrial no mundo, parece ser ousada e um tanto quanto descolada da nova realidade do século XXI.
Inegavelmente, os EUA continuam a ser a maior potência econômica e militar, mas a maneira como ocupavam o palco, sendo únicos protagonistas, já não reflete a pluralidade do mundo em que vivemos. Nesta busca inalcançável pelo topo do pódio, as tarifas econômicas se mostraram a solução como um instrumento de persuasão, ou até mesmo coerção para que Trump alcance seus objetivos em 4 anos. As mais recentes vítimas do tarifaço, como o Brasil, buscam alternativas para reverter grandes perdas econômicas, sem renunciar à sua soberania e ao poder de decisão de políticas de comércio exterior.
A cobrança por lealdade e alinhamento começa a surgir de forma mais explícita a cada mês neste novo cenário, no qual declarações erráticas e políticas arbitrárias tornam o Brasil um potencial prejudicado. A amizade entre EUA e Brasil remonta os tempos em que ainda éramos um Império, já no caso russo e chinês, são décadas de ampla cooperação econômica. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, os Estados Unidos são o segundo.
O crescimento brasileiro apenas será garantido se Brasília for bem relacionada com Washington DC e com Pequim. A conjuntura atual se mostra extremamente complexa e tem seu caráter paradoxal fundamentado na política de neutralidade que tanto auxiliou o Brasil a se desenvolver, a não ter guerras em seu território e a se tornar um dos países mais respeitáveis no campo diplomático. O pragmatismo que tanto nos serviu parece estar ficando obsoleto, mas talvez seja a dose de sobriedade necessária para sobreviver às crises do multilateralismo até que perspectivas mais animadoras estejam no horizonte.