Quando a cidade fala e o prefeito não ouve

Em abril de 2025, mais de três mil pessoas participaram da 8ª Conferência Municipal da Cidade de São Paulo, no Complexo do Pacaembu. Durante dois dias, representantes de movimentos sociais, ONGs, sindicatos, universidades e coletivos urbanos apresentaram propostas para habitação, mobilidade, meio ambiente e gestão pública. O encontro resultou em doze propostas técnicas e quatorze moções políticas apontadas em relatório recém apresentado. O prefeito Ricardo Nunes não compareceu.

Sua ausência revela uma concepção de democracia limitada ao voto. Como observa Rafael Drummond, planejador urbano e ex-conselheiro do CMTT (Conselho Municipal de Transporte e Trânsito), “há uma demanda enorme por participação e desejo de influir nas políticas públicas locais”. A distância entre essa mobilização e a conduta do Executivo aponta para uma gestão que ignora os espaços de escuta institucional.

Previstas na Constituição de 1988, as conferências municipais são instrumentos de participação direta na definição de políticas públicas. Em São Paulo, foram retomadas em 2016 após quase uma década sem realização. Mais do que debate, a conferência atua na formação da agenda pública, etapa em que problemas são reconhecidos como prioritários pela prefeitura e orientam decisões, orçamentos e programas. Ou seja, participar da conferência é ter voz nas decisões sobre o que será feito com os recursos públicos e quais ações devem ser levadas adiante na rua, no bairro, na cidade.

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Entre as propostas discutidas estão o Sistema Único de Mobilidade (SUM) com integração tarifária entre metrô, trem, ônibus e bicicletas, programas habitacionais com unidades de no mínimo 50m² e energia solar, regularização fundiária, criação de parques e fundos urbanos vinculados a metas socioambientais.

Alheios às discussões, os vereadores aprovavam em primeiro turno o PL 691/2025, que eleva o gabarito da área do Instituto Butantan. A medida autoriza maior verticalização, com risco de supressão de milhares de árvores. Drummond aponta a contradição: “a gestão se diz sustentável, mas investe em um modelo urbano insustentável, voltado à lógica rodoviarista e à ocupação predatória”.

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As moções aprovadas também repudiam obras como o Túnel Sena Madureira e a extensão da Marginal Pinheiros, e denunciam despejos como o da Favela do Moinho e o abandono das políticas voltadas a catadores e servidores públicos. A conferência propôs ainda conselhos gestores, observatórios regionais e um Sistema Único de Sustentabilidade Ambiental. São instrumentos para que a escuta da população não dependa da boa vontade de gestores e esteja integrada ao processo decisório de forma permanente.

Ignorar esse processo é desperdiçar diagnósticos produzidos por quem vive a cidade. A ausência do prefeito nesse contexto significa prescindir de informações estratégicas e soluções que evitariam políticas mal planejadas e gastos improdutivos. A participação social também é critério de eficiência e eficácia.

Como afirma Drummond, “o documento aprovado apresenta diretrizes que vamos levar para as conferências estadual e federal”. O movimento ultrapassa os limites municipais. Quando milhares de pessoas participam da definição de políticas públicas e são ignoradas pelo Executivo, a democracia perde. A 8ª Conferência mostra que há disposição para participação contínua. Resta saber se os gestores estão dispostos a escutar ou seguirão governando no escuro.

 

 

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